É preciso alguma coragem para enfiar a mão num algeroz entupido. Mas pela arte faz-se tudo. Marta Lucas Galvão respirou fundo e retirou várias garrafas de cerveja e copos que tinham causado uma inundação na segunda exposição do Projecto Chão.
O dia para tal peripécia não podia ser pior: a abertura da exposição no número 18 da Rua da Trindade, em Lisboa. "Tínhamos arrumado tudo na véspera, mas como choveu imenso, houve uma inundação. Pensei em cancelar tudo. Mas depois de desentupir o algeroz, percebi que tinha resolvido o problema e que tínhamos condições para abrir", recorda Marta Lucas Galvão, escultora, e uma das fundadoras do Projecto Chão.
Os dez membros da associação Projecto Chão estão habituados a este tipo de aventuras. É que os eventos culturais que realizam não são propriamente no Centro Cultural de Belém ou na Gulbenkian. O Projecto Chão ocupa prédios devolutos ou em transição, para serem vendidos, e organiza actividades culturais tão diferentes como workshops de desenho, concertos de música industrial ou debates sobre urbanismo. Mas antes da arte, há todo o trabalho de organização e limpeza. Também se podia dizer que o Projecto Chão é especialista em reabilitar prédios cheios de pó, com quilos de sujidade e casas de banho disfuncionais.
Um nome de guerra Para a terceira exposição, que é inaugurada hoje no centro de Lisboa, não foi preciso nada disso. Desta vez, o Projecto Chão foi convidado pela curadora Filipa Valladares para ocupar um espaço no Chiado, depois da exposição de fotografia de Catarina Botelho lá ter estado. Por isso, estava quase tudo em ordem no prédio da livraria Bertrand, onde antes funcionavam os escritórios da editora.
À excepção da loja, os cinco andares, com cozinhas velhas, casas de banho, azulejos pombalinos e restos de escritórios, estão desocupados e à espera de ser reabilitados para habitação. Como bons ocupas, não mudam o que encontram. Até lá está um interruptor branco para chamar os empregados. O aparelho devia pertencer a um chefe muito stressado, pois cada botão tem um etiqueta com o nomes dos empregados. Mas tanta tecnologia está muito longe da origem do prédio. O edifício data de 1773 e só por isso vale a pena uma visita ao espaço.
Como no Projecto Chão são os locais a ditar as exposições; só depois da primeira visita é que começaram a pensar no que iam fazer. "Estamos no Chiado, um bairro que sempre esteve ligado à cena literária. Aqui ao lado no São Luiz, o Almada Negreiros apresentou o célebre manifesto futurista. Por isso, decidimos fazer uma abordagem através da palavra escrita, inscrita e dita", explica Marta Lucas Galvão. A peça de Ernesto de Sousa "Almada, Um Nome de Guerra" é a base para a instalação de Paulo T. Silva. Mas há mais. Do programa fazem parte debates e um workshop de tipografia. Tudo até dia 29 de Julho.
militância Uns chamam-lhe hobby, outros uma causa ou até militância. O que é certo é que o Projecto Chão não tem apoios de ninguém, muitas vezes não cobram entrada e quando o fazem, reverte tudo a favor dos artistas convidados. "Acho que as pessoas estão fartas de esperar que façam as coisas por elas. Já se percebeu que não vai haver dinheiro, nem espaços. Se os artistas querem mostrar o que fazem, têm de se mexer", explica Miguel Sá, de 36 anos, editor, músico e designer gráfico. Ainda podíamos juntar mais umas quantas profissões à descrição, tal como o resto dos companheiros do Chão. Nuno Bernardino, de 36 anos, é professor, DJ e tradutor, Susana Ribeiro Martins, 32 anos, é jornalista, animadora cultural, tradutora e fotógrafa. Ana Reis, de 26 anos, trabalha na FNAC e encontrou no Chão a oportunidade de pôr em prática o que aprendeu no curso de História de Arte.
Descentralizar O núcleo central do Projecto Chão conheceu-se em 2004, no Festival Em Trânsito. Depois disso, ficou o gosto de fazer algo com as casas abandonadas. "São espaços subtraídos à cidade, muitas vezes no centro. Queremos ir lá espreitar e abri-los ao público. Mas é tudo legal, temos autorização para aqui estarmos", diz Susana Ribeiro Martins.
O Chão nasceu em 2007, mas as duas primeiras tentativas de ocupação falharam. Foi preciso esperar até Setembro de 2008 para conseguirem uma oportunidade. "A nossa ideia é adaptarmo-nos às circunstâncias que encontramos. O que quer dizer que nunca teremos dois projectos iguais", explica Nuno Bernardino. Foi isso mesmo que fizeram na Lx Factory, situada no antigo complexo fabril em Alcântara. Por lá passaram a Companhia Industrial de Portugal e Colónias, o Anuário Comercial de Portugal e a Gráfica Mirandela. Por essas razões, o primeiro projecto do Chão tinha de juntar arte e indústria. "Antes de decidirmos o que íamos fazer, investigámos a história do local. Passei o mês de Agosto na Biblioteca Nacional, onde descobri uma fotografia de Joshua Benoliel, sobre uma manifestação de operários e patrões, em 1910. Achamos aquilo estranhíssimo, porque era uma manifestação completamente diferente do que estamos habituados. Desta vez, era de apreço pela administração", conta Susana Ribeiro Martins.
O programa na Lx Factory incluiu concertos de música industrial, filmes e uma ronda nocturna pelo espaço. "Podemos fazer coisas fora do comum, que seriam muito difíceis noutros locais. Por exemplo, uma linha de montagem feita por 21 músicos de electrónica, cada um ligado ao laptop do vizinho", conta Miguel.
O dia para tal peripécia não podia ser pior: a abertura da exposição no número 18 da Rua da Trindade, em Lisboa. "Tínhamos arrumado tudo na véspera, mas como choveu imenso, houve uma inundação. Pensei em cancelar tudo. Mas depois de desentupir o algeroz, percebi que tinha resolvido o problema e que tínhamos condições para abrir", recorda Marta Lucas Galvão, escultora, e uma das fundadoras do Projecto Chão.
Os dez membros da associação Projecto Chão estão habituados a este tipo de aventuras. É que os eventos culturais que realizam não são propriamente no Centro Cultural de Belém ou na Gulbenkian. O Projecto Chão ocupa prédios devolutos ou em transição, para serem vendidos, e organiza actividades culturais tão diferentes como workshops de desenho, concertos de música industrial ou debates sobre urbanismo. Mas antes da arte, há todo o trabalho de organização e limpeza. Também se podia dizer que o Projecto Chão é especialista em reabilitar prédios cheios de pó, com quilos de sujidade e casas de banho disfuncionais.
Um nome de guerra Para a terceira exposição, que é inaugurada hoje no centro de Lisboa, não foi preciso nada disso. Desta vez, o Projecto Chão foi convidado pela curadora Filipa Valladares para ocupar um espaço no Chiado, depois da exposição de fotografia de Catarina Botelho lá ter estado. Por isso, estava quase tudo em ordem no prédio da livraria Bertrand, onde antes funcionavam os escritórios da editora.
À excepção da loja, os cinco andares, com cozinhas velhas, casas de banho, azulejos pombalinos e restos de escritórios, estão desocupados e à espera de ser reabilitados para habitação. Como bons ocupas, não mudam o que encontram. Até lá está um interruptor branco para chamar os empregados. O aparelho devia pertencer a um chefe muito stressado, pois cada botão tem um etiqueta com o nomes dos empregados. Mas tanta tecnologia está muito longe da origem do prédio. O edifício data de 1773 e só por isso vale a pena uma visita ao espaço.
Como no Projecto Chão são os locais a ditar as exposições; só depois da primeira visita é que começaram a pensar no que iam fazer. "Estamos no Chiado, um bairro que sempre esteve ligado à cena literária. Aqui ao lado no São Luiz, o Almada Negreiros apresentou o célebre manifesto futurista. Por isso, decidimos fazer uma abordagem através da palavra escrita, inscrita e dita", explica Marta Lucas Galvão. A peça de Ernesto de Sousa "Almada, Um Nome de Guerra" é a base para a instalação de Paulo T. Silva. Mas há mais. Do programa fazem parte debates e um workshop de tipografia. Tudo até dia 29 de Julho.
militância Uns chamam-lhe hobby, outros uma causa ou até militância. O que é certo é que o Projecto Chão não tem apoios de ninguém, muitas vezes não cobram entrada e quando o fazem, reverte tudo a favor dos artistas convidados. "Acho que as pessoas estão fartas de esperar que façam as coisas por elas. Já se percebeu que não vai haver dinheiro, nem espaços. Se os artistas querem mostrar o que fazem, têm de se mexer", explica Miguel Sá, de 36 anos, editor, músico e designer gráfico. Ainda podíamos juntar mais umas quantas profissões à descrição, tal como o resto dos companheiros do Chão. Nuno Bernardino, de 36 anos, é professor, DJ e tradutor, Susana Ribeiro Martins, 32 anos, é jornalista, animadora cultural, tradutora e fotógrafa. Ana Reis, de 26 anos, trabalha na FNAC e encontrou no Chão a oportunidade de pôr em prática o que aprendeu no curso de História de Arte.
Descentralizar O núcleo central do Projecto Chão conheceu-se em 2004, no Festival Em Trânsito. Depois disso, ficou o gosto de fazer algo com as casas abandonadas. "São espaços subtraídos à cidade, muitas vezes no centro. Queremos ir lá espreitar e abri-los ao público. Mas é tudo legal, temos autorização para aqui estarmos", diz Susana Ribeiro Martins.
O Chão nasceu em 2007, mas as duas primeiras tentativas de ocupação falharam. Foi preciso esperar até Setembro de 2008 para conseguirem uma oportunidade. "A nossa ideia é adaptarmo-nos às circunstâncias que encontramos. O que quer dizer que nunca teremos dois projectos iguais", explica Nuno Bernardino. Foi isso mesmo que fizeram na Lx Factory, situada no antigo complexo fabril em Alcântara. Por lá passaram a Companhia Industrial de Portugal e Colónias, o Anuário Comercial de Portugal e a Gráfica Mirandela. Por essas razões, o primeiro projecto do Chão tinha de juntar arte e indústria. "Antes de decidirmos o que íamos fazer, investigámos a história do local. Passei o mês de Agosto na Biblioteca Nacional, onde descobri uma fotografia de Joshua Benoliel, sobre uma manifestação de operários e patrões, em 1910. Achamos aquilo estranhíssimo, porque era uma manifestação completamente diferente do que estamos habituados. Desta vez, era de apreço pela administração", conta Susana Ribeiro Martins.
O programa na Lx Factory incluiu concertos de música industrial, filmes e uma ronda nocturna pelo espaço. "Podemos fazer coisas fora do comum, que seriam muito difíceis noutros locais. Por exemplo, uma linha de montagem feita por 21 músicos de electrónica, cada um ligado ao laptop do vizinho", conta Miguel.
-Por Vanda Marques , Publicado em 22 de Julho de 2009
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